Razões Poéticas

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

TROVA Vicente [1525?]

De Gil Vicente ao conde do Vimioso, a quem o el rei remeteu sobre um despacho seu. Foi isto em tempo de peste e o primeiro rebate dele deu por sua casa e andava então na corte um Gonçalo d'Ayola castelhano muito falador e medrava muito.


Senhor, a longa esperança
mui curto prazer ordena
minha vida está em balança
e a muita confiança
nunca causou pouca pena.
isto digo
polo que passo comigo
polo tempo que se passa
vejo minha morte em casa
e minha casa em perigo

certo é nobre senhor
que quis Deos ou a fortuna
que quem serve com amor
quanto maior servidor
tanto menos importuna.
daqui vem
que quem nam pede nam tem
e quem espera padece
e quem nam parece esquece
porque nam lembra a ninguém

muito debaixo da sola
trouxera quanto desejo
s'eu aprendera na escola
onde Gonçalo d'Ayola
aprendeu tanto despejo.
que o sesudo
deste tempo fala tudo
quer vá torto quer dereito
e tornando a meu respeito
pera mi sempre fui mudo

agora trago entre os dedos
ua farsa mui fermosa
chamo-a a caça dos segredos
de que ficareis mui ledos
e minha dita ouciosa.
que o medrar
se estevera em trabalhar
ou valera o merecer
eu tivera que comer
e que dar e que deixar

porém por cima de tudo
o meu despacho queria
porque minha fantesia
ocupa o mais do estudo
todo em vossa senhoria.
e o cuidado
quando anda assi ocupado
cuida muito e nam faz nada
a vontade acho dobrada
mas o spirito cansado.

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